25.2.08

Maputo - Moçambique


A primeira impressão que tive de Maputo foi uma das piores possíveis. Não foi nem aquela coisa de, na primeira vista, se horrorizar e dizer "meu deus, que horror!", porque, como em todos os casos de primeira vista, a gente sabe (às vezes mais tarde, mas sabe) que as chances de estarmos nos precipitando são grandes. Não. Foi pior que isso.

Ao colocar o rosto fora do avião, um ar quente e forte me baforou como cumprimento, quase me empurrou e, com certeza, me fez senti-lo. Talvez tivesse sido do verão de Moçambique, talvez dos suspiros da África, vai saber. Depois disso, um guarda (que não fazia a menor questão de sorrir) queria porque queria abrir a mala de minha irmã, como é de praxe fazer em alguns passageiros, aleatoriamente. Meu pai não gostou e nesse momento os dois se estranharam, se olharam feio e tudo mais. Mas não é essa a questão. Era o trabalho dele fazer aquilo e quem teve que falar isso foi eu e meu irmão. O guarda se manteve com poucas palavras, olhar sério e, mesmo assim, com postura de relativa resignação. Aí me chamou bastante a atenção: é impressionante a capacidade de não argumentar dos moçambicanos.

Entramos no carro e começamos a andar por Maputo em mão inglesa (não me pergunte por quê), vendo placas de "stop" ao invés de "pare". Atrás do vidro, que depois abri, vi a miséria já esperada. Mulheres descalças carregando seus filhos em panos nas costas, gente pedindo dinheiro, olhares despedaçados. Nada muito diferente do que se vê em muitas partes de Porto Alegre. Até aí, pensei que era um lugar ruim de se viver. Mas a miséria que passava à frente de meus olhos não parou. Estava (e está, até agora) em todas as partes de Maputo que alguém quiser olhar. Em qualquer ponto dessa cidade que alguém parar e olhar para os lados, achará um ou mais elementos de miséria.

Após alguns dias de convivência, percebi que nem todo africano dono de um lindo sorriso (porque todo africano tem um lindo sorriso) é simpático. Pelo menos os de Moçambique, são pessoas, em sua maioria, muito tristes. Não são raivosas ou vingativas, são tristes. Se nota pelo olhar cabisbaixo, pelo sorriso comedido, a fala discreta, a capacidade de não argumentar. Quando descobri isso, me senti um daqueles gringos que vêm pro Brasil sabendo falar "caipirinha", "samba" e "obrigado" e querendo ver gente pelada na rua.

É sempre muito complicado entender o que se passa em um país, porque são inúmeras coisas que acontecem simultaneamente. O que se faz muito é opinar de fora, vendo tudo superficialmente. O que se pensa de Moçambique quando dizem que é um país miserável da África é aquela coisa de "África é isso mesmo", e deu. Não sabem que é um país independente só há 25 anos; que, por isso, ainda engatinha uma democracia; que, sendo um governo inexperiente e pobre de recursos, o transporte público é uma VERGONHA; que, sendo o transporte público uma vergonha, homens e mulheres se empilham em vans, uns sentados no colo dos outros, para poderem trabalhar e estudar; que homens se vestem como militares (para-militares) e perambulam pela cidade, exigindo propina - sem serem, de fato, militares - porque o governo não tem verba para sustentar boa segurança; que a saída da população pra tentar a vida em paízes vizinhos é muito dificultada pela língua e porque só a África do Sul tem condições de oferecer melhores condições de vida, enfim. É uma série de fatores que formam uma realidade, que já passou do tempo dos escravos.

Mas o pior de tudo, mesmo, é que parece que nada vai melhorar. Não tem por onde melhorar. Essa geração que vive lá agora com certeza não verá grandes mudanças, e eles sabem disso.

Essa desesperança se vê nos olhos das pessoas, isso me marcou muito. A não-revolta contra a realidade. O que vem depois disso: o cansaço, a resignação. As pessoas tristes.

A África é uma selva muito maior que a dos leões e leopardos.

escrito por LEONARDO PORZIO

2 comentários:

Anônimo disse...

Passa no sopro da aragem
Que um momento o levantou
Um vago anseio de viagem
Que o coração me toldou.
Será que em seu movimento
A brisa lembre a partida,
Ou que a largueza do vento
Lembre o ar livre da ida?
Não sei, mas subitamente
Sinto a tristeza de estar
O sonho triste que há rente
Entre sonhar e sonhar.
Fernando Pessoa

Anônimo disse...

Eu n sei em que Maputo voce esteve, mas nao foi na mesma cidade onde eu vivo de certeza. Nunca vi descriçao tao injusta da minha cidade quanto esta.
Olhe, eu estive no Brasil e achei os brasileiros muito lerdos, pouco honestos e com muita má fé.
Ainda bem que voce vive no Brasil e eu em Moçambique.